Excelentíssimo(a) sr. (a) Juiz(a) de Direitor: Pelo que vou expor abaixo, solicito um habeas corpus preventivo para garantir o lançamento, divulgação e circulação do meu trabalho Inquérito policial – Família Tobias (São Paulo: Editora Lote 42, 2016) sem incômodo da polícia ou de qualquer instância da Justiça Brasileira. Esclareço que faço meu pedido sem a ajuda de advogados, pois tenho noção dos meus direitos e da Constituição Federal e também porque quero deixar claro meu repúdio a uma situação tão absurda ter que mobilizar os vários atores do Poder Judiciário. Até os limites dos meus direitos, irei da minha parte dispensá-los. O ideal seria que o próprio Poder Judiciário aceitasse que, da mesma forma, não deveria lidar com questões artísticas.

Em setembro e outubro de 2014, publiquei uma série de 5 ebooks intitulada Delegado Tobias (São Paulo: e-galáxia, 2014). A série se tratava de um experimento que incluía texto, imagens, reações à divulgação do próprio trabalho, a criação de documentos com aspecto jurídico, interação em redes sociais e inserção da opinião dos leitores na narrativa. Infelizmente, alguns dos documentos foram recortados do trabalho e, isolados de seu contexto, foram denunciados ao Ministério Público Federal como se fossem “falsificação de documento público”. A denúncia foi investigada e, para ressaltar o absurdo da situação, cito aqui trecho do Inquérito que respondo, justamente o momento que discute minha criação, tratando-a como “uma decisão judicial da justiça federal em tese falsificada, com a assinatura de um juiz inexistente e fora dos padrões das decisões exaradas por aquele órgão” (SIC).

Por óbvio, o juiz não existe, já que é personagem de um livro de ficção, do mesmo jeito, as decisões estão de fato fora dos padrões do órgão citado, já que não foram proferidas por tal órgão, mas sim criadas por mim no interior de uma criação literária. O absurdo só aumenta ao notarmos que durante o trabalho do órgão citado, ninguém notou que se tratava de uma obra de ficção, nem que os tais documentos “falsificados” estavam em ebooks abrigados em lojas da dimensão da Amazon ou Apple, e muito menos que o experimento havia tido boa repercussão (o que mostra também a má fé da denúncia), com trabalhos acadêmicos publicados sobre ele no Brasil e no exterior. É assustador que tudo isso tenha passado despercebido para quem investigou minha criação: fiquei com a impressão de que, após a denúncia, movimentou-se uma espécie de máquina que nada fez a não ser alimentar a própria sanha punitiva.

Dessa forma e em caráter preventivo, esclareço que a criação que publicarei nas próximas semanas é uma obra de ficção pelos seguintes argumentos, óbvios também: Ainda que para algumas personagens, como professores universitários brasileiros e americanos, além de Michelle Obama, os sócios da editora Lote 42 e eu mesmo encontremos correlatos no mundo real, há outros que só existem mesmo na minha criação, tais como o delegado Tobias e seus sobrinhos; Estamos no dia 21 de março de 2016. Há trechos da minha criação que se passam em abril, setembro e novembro de 2016, o que demonstra sua ficcionalidade. Peço desculpas por ser obrigado a dizer tudo isso, mas como de fato há um inquérito chamando de “falsificação” trechos de uma obra de arte, conforme citei acima, achei realmente importante garantir meu direito à criação artística por meio desse pedido de habeas corpus preventivo, solicitado em caráter liminar.

Sem mais, ressalto que se trata de índice de forte insegurança jurídica de todo um país o fato de obras de arte terminarem assunto de polícia e do poder judiciário. Não são instâncias que deveriam se cruzar. Respeitosamente, Ricardo Lísias